sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Onde os fracos não têm vez


Exórdio:

Antes de começar a primeira postagem desse blog gostaria de falar um pouco dos motivos de sua existência e do que provavelmente virá a seguir. A idéia é usar esse espaço para refletir acerca de temas que me interessam, expressando opinião em relação a política, sociedade, cinema, esportes e tudo mais que der na telha, acho que no fundo todo blog é um pouco assim. Aproveito também para agradecer desde já a todos que aparecerem por aqui, bem como ao amigo Bruno e ao pessoal da História que me deram a idéia de abrir esse espaço. Como bom flamenguista e cinéfilo resolvi no primeiro texto tratar de Onde os fracos não têm vez, o filme dos irmão Cohen e grande vencedor do Oscar deste ano.

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Para quem conhece o trabalho cinematográfico dos irmãos Cohen Onde os fracos não tem vez não causa nenhuma grande surpresa, já que repete alguns dos elementos encontrados em filmes anteriores, como O grande Lebowski e Fargo. Assim como o primeiro destes cada personagem apresenta uma personalidade bem definida o que justifica as atitudes que tomam e a forma como se portam diante das adversidades encontradas.

Já nas cenas iniciais cria-se uma antagonismo claro entre os personagens Llewelyn Moss (vivido por Josh Brolin) e o matador Anton Chigurh (brilhantemente interpretado por Javier Bardem). O filme se inicia com a prisão Chigurh por um policial que se mostra extremamente orgulhoso do feito realizado. Não demora muito para vermos o mesmo policial se esvaindo em sangue enquanto o assassino sorri discretamente, demonstrando, sem dizer sequer uma palavra, a satisfação com que realiza seu trabalho. Junto a si porta sempre sua principal arma, um cilindro de ar comprimido, que não apenas o ajuda a não deixar vestígios como acrescenta ao personagem um toque de insanidade genial. Enquanto isso, Moss é retratado calmamente caçando cervos em meio a pasmaceira do deserto texano. O próprio fato de errar o seu alvo e não conseguir matar a sua caça demonstra bem a imperfeição de sua pontaria, o que ajuda a caracteriza-lo como um homem comum, contrapondo-o à infalhabilidade até então demonstrada por Chirgurh.

Onde os fracos não têm vez herdou de Fargo a relação quase simbiôntica do homem com o ambiente que o circunda. O silêncio (bastante usado em ambos os filmes) não incomoda, pelo contrario, revela mais sobre a pasmaceira transmitida pelo meio (no primeiro desértico e no segundo gélido) do que milhões de falas o fariam.

O enredo propriamente dito se inicia quando Moss avista uma série de carros abandonados no deserto, se dirige ao local e lá encontra corpos, um carregamento de cocaína, uma mala de dinheiro e um homem moribundo com sede. A mala desperta sua cobiça, que é justificada quando este resolve voltar a sua casa e o público descobre que o personagem mora em um trailer com sua mulher. Depois de muito pensar, decide retornar ao local encontrado para levar água ao homem que está morrendo, demonstrando assim o seu lado mais humano e sua compaixão. Fato é, que essa escolha, possivelmente interpretada como fraqueza, servirá como marco transformador da estória e a alavanca necessária para os fatos que darão seqüência ao filme.

Trata-se de uma estória de faroeste clássica tendo como principais participantes o mocinho/fugitivo Moss, o fora-da-lei/renegado Chirgurh e o xerife vivido por Tommy Lee Jones (detentor de uma inteligência e calma invejáveis). Muito mais que isso, é um filme sobre escolhas. Constantemente vêem-se os personagens tendo que optar em situações que mudarão totalmente o rumo da estória. O próprio Chirgurh tem o costume de jogar no cara e coroa a vida de suas vítimas, fazendo com que a sobrevivência acabe sendo uma escolha delas mesmas e limitando sua participação a apenas executar aquilo que a pessoa decidira. Moss, sua esposa, Chirgurh e o xerife; todos em algum momento tem de optar por um determinado caminho que decidirá não apenas o rumo de sua vida como também da de outros personagens.

O resultado de tudo isso é um filme instigante, me parece impossível sair do cinema sem refletir nem um pouco no que se viu. Sendo assim, são mais do que justos todos os prêmios recebidos no oscar deste ano. Apesar da forte concorrência representada pelos ótimos candidatos, Onde os fracos não têm vez se destaca dos demais, representando uma obra genial que resgatou do ostracismo o esquecido gênero do faroeste e fez com que um premio geralmente dedicado ao melhor marketing e à indústria reconhecesse um excelente trabalho cinematográfico.